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Obras de José de Alencar (continuação)

Iracema (1865) - o romance segue os mesmos moldes de O Guarani, isto é, apresenta uma história de amor cujo pano de fundo é o conflito entre as tribos indígenas que habitavam o litoral e o interior do território brasileiro e os conflitos entre os indígenas e os colonizadores europeus.

Porém, em Iracema, o que Alencar pretende é apresentar uma história baseada na lenda que deu origem ao primeiro habitante nascido no Brasil: Moacir, nome que significa "filho da dor" e seria o filho entre a bela índia dos lábios de mel e o guerreiro português Martim.

O romance pode ser considerado uma obra em "prosa poética" pois apresenta uma narrativa épica, um lirismo amoroso e todo um trabalho com o vocabulário, porém, em formato de romance. Alencar não o fez em forma de verso por julgar que os nativos brasileiros não combinavam com o estilo classicista, tão distante em tempo e espaço dos gregos e romanos, e que a literatura brasileira deveria manifestar seu ideal de nacionalidade por meio da língua, desenvolvendo uma escrita e um estilo prórpios, desvinculados do clássico.

Segundo o próprio Alencar, em carta endereçada ao Dr. Jaguaribe e anexada ao final do romance:

Sem dúvida que o poeta brasileiro tem de traduzir em sua língua as ideias, embora rudes e grosseiras, dos índios; mas nessa tradução está a grande dificuldade; é preciso que a língua civilizada se molde quanto possa a singeleza primitiva da língua bárbara; e não represente as imagens e pensamentos indígenas senão por termos e frases que ao leitor pareçam naturais na boca do selvagem. (...) A elasticidade da frase permitiria então que se empregassem com mais claresa as imagens indígenas, de modo a não passarem despercebidas. Por outro lado, conhecer-se-ia o efeito que havia de ter o verso pelo efeito que tivesse a prosa.

É, geralmente, considerado um romance de difícil leitura em função de seu vocabulário rebuscado e das inúmeras descrições que o autor faz da natureza e as comparações com seus personagens.


Iracema (1881), tela do pintor José Maria de Medeiros inspirada na personagem de José de Alencar

Enredo

A narrativa da lenda de Iracema inicia com uma cena em que o guerreiro português Martim Soares Moreno, aliado da tribo dos Pitiguaras, tribo habitante das terras litorâneas, se perde nas matas do território próximo à tribo dos Tabajaras, inimigos, habitantes das terras do interior. Lá, é surpreendido pela bela índia Iracema, que ameaça matá-lo com uma flecha.

Iracema é filha de Araquém, pajé dos tabajaras, e sacerdotisa vestal que guarda o segredo/mistério/sonhoss da Jurema, uma espécie de licor com propriedades alucinógenas. Ela e sua tribo acolhem Martim como hóspede e, na noite em que ocorrem as celebrações para Irapuã, o maior chefe da nação tabajara, o guerreiro branco decide fugir. Iracema o impede, alertando sobre os perigos da mata e pede para que ele espere pelo retorno de Caubi, seu irmão, para que possa guiá-lo em segurança no dia seguinte.

Martim e Iracema se apaixonam, o que desperta a ira de Irapuã, zeloso do papel que a jovem índia deve cumprir para com a sua tribo. Como guardiã do segredo da jurema, Iracema deve permanecer virgem, porém, entrega-se a Martim em uma noite em que o guerreiro, sob efeito do líquido alucinógeno entregue por Iracema, sonhou possuir a índia (quando, na verdade, estava possuindo mesmo). O guerreiro decide partir da tribo dos tabajaras para se ver livre de Irapuã quando Iracema revela o que acontecera enquanto Martim sonhava e se dispõe a acompanhá-lo.

Os dois partem ao encontro de Poti, chefe da tribo dos pitiguaras e considerado por Martim como um irmão. Irapuã os segue, o que acaba por causar um conflito entre as duas tribos inimigas. Iracema passa a viver com Martim, que adora o nome indígena de Coatiabo, e passa a gradativamente se desinteressar pela índia. Grávida, Iracema sofre com o desdém e com as ausências de seu amado.

Ao regressar de uma batalha, Martim encontra Iracema e seu filho, porém, a índia se encontra muito debilitada. Já sem forças, a índia entrega o filho Moacir, palavra indígena que significa "o nascido do sofrimento", e pede que Martim a enterre aos pés de um coqueiro de que ela tanto gostava. Este lugar onde Iracema supostamente estaria enterrada, segundo a lenda, passou a se chamar Ceará, que significa "canto da jandaia", ave favorita de Iracema.

Martim decide retornar para a Europa, levando consigo o filho Moacir. Quatro anos mais tarde, retorna ao Brasil com o filho para auxiliar na implantação da fé cristã. Poti, o chefe dos pitiguaras, recebe o nome português de Felipe Camarão e os dois ajudam o comandante Jerônimo de Albuquerque na luta contra os holandeses.

A narrativa de Iracema, no entanto, é fragmentada e o capítulo I inicia com a cena em que a embarcação em que Martim e Moacir se encontram no regresso ao Brasil. Do capítulo II ao XXXII ocorre a narrativa da lenda da Iracema, para, no capítulo XXXIII, retornar à cena da chegada de Martim e Moacir às terras americanas.


Iracema (1909), pintura de Antônio Parreiras

Saiba mais:

vestal - significa uma sacerdotisa que deveria se manter casta, isto é, virgem, preservando-se para a vida e para os rituais sagrados de sua tribo.

Veja abaixo um trecho do cpítulo II, em que há a descrição de Iracema:

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.

Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.

O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.

Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo da grande nação tabajara, o pé grácil e nu, mal roçando alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.

Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto

Iracema saiu do banho; o aljôfar d'água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste

A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela As vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru te palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá , as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.

Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.

Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.

Curiosidade:

Iracema pode ser considerado um anagrama de "América", assim, Alencar estaria demonstrando como se deu a conquista das terras e a formação social do continente: pela exploração da natureza e da subjugação dos índios aos hábitos e ao trabalho dos colonizadores.

Como referenciar: "Obras de José de Alencar - Iracema (1865)" em Só Literatura. Virtuous Tecnologia da Informação, 2007-2024. Consultado em 03/05/2024 às 05:58. Disponível na Internet em http://www.soliteratura.com.br/romantismo/romantismo16.php